19 junho, 2011

Em busca de segurança de voo


A recente descoberta dos registradores de dados de voo e de voz do A-330 acidentado dois anos atrás no meio da sua rota para a Europa, sobre o Oceano Atlântico, nos motiva a meditar sobre essas catástrofes que, inevitavelmente, ainda podem atingir os usuários do transporte aéreo.

A grande pergunta é: o que ainda pode ser feito para evitar acidentes aeronáuticos de tais proporções? Isso supondo que possa haver algum tipo de acidente de proporções aceitáveis.

Mesmo sem descartar a possibilidade de erros grosseiros de projeto e fabricação das aeronaves, falhas graves de manutenção e operacional, o que fazer para evitar que acidentes catastróficos com aviões mantidos e operados segundo as práticas atuais ainda ocorram?

Dado o grau de complexidade das aeronaves e dos processos que envolvem sua operação, a resposta a essa pergunta não é uma tarefa simples. A Organização de Aviação Civil Internacional (OACI), na busca de um desenvolvimento da aviação de forma segura e ordenada, estabelece padrões obrigatórios e recomenda práticas aos Estados que assinaram a Convenção de Aviação Civil Internacional, também conhecida como Convenção de Chicago. Estabelecer, objetivamente, um nível de segurança para a aviação é, também, uma tarefa complexa, mas seria ilógico não dizer que o desejável é conseguir, pelo menos, eliminar todos os acidentes em aviões de grande porte, operados por grandes linhas aéreas. Por aviões de grande porte podemos definir aviões com mais de 30 lugares, e definir grandes linhas aéreas como as empresas que operam tais aviões. Com essa limitação de escopo creio ser realista tentar alcançar tal objetivo.

Ao estabelecer os padrões e práticas recomendadas, a OACI visa alcançar um nível de segurança operacional objetivamente definido como sendo, no seu pior caso, um acidente catastrófico a cada um bilhão de operações ou horas de voo. É interessante notar que a estatística dos acidentes nos mostra que esse número está sendo alcançado. Portanto, é legítimo supor que há espaço para melhora no sentido de levar para o infinito o número de operações sem acidentes. As perguntas permanecem: "O que deve ser feito? E, no Brasil, o que estamos fazendo?" Afinal nos últimos cinco anos fizemos parte do cenário de três acidentes, que se enquadram no critério escolhido.

É sempre muito fácil e conveniente culpar os pilotos, pois inevitavelmente eles têm uma participação relevante nos eventos e quase sempre eles poderiam ter evitado o acidente e não o fizeram e, além disso, na maioria das vezes eles não sobreviveram e não estão presentes para se defender. Ao estabelecer a culpa da tripulação, todos os outros fatores contribuintes ficam "irrelevantes" aos olhos dos demais atores, principalmente porque eles são responsáveis pela sua existência.

No tocante à segunda pergunta a resposta é simples: nada estamos fazendo, especificamente, para evitar futuros acidentes, pois a vida continua como se o nível de segurança não necessitasse ser melhorado.
Uma análise de Pareto nos mostrará que as poucas ações que resultam em ganho significante no sentido de evitar futuros acidentes estão na área de gerenciamento sob responsabilidade do governo. As válvulas, relés, bombas hidráulicas e de combustível, os circuitos eletrônicos e componentes estruturais continuarão falhando da forma como sempre falharam, os homens responsáveis tecnicamente pelos processos e atividades relacionadas ao voo continuarão cometendo erros como sempre cometeram, e as empresas aéreas continuarão a arriscar um voo em condições discutíveis para manter o faturamento como sempre fizeram. Antecipar, prevenir e impedir esses erros e as suas consequências catastróficas é um problema gerencial e somente com gerentes competentes isso será possível. No momento que competência for uma virtude exigida dos gerentes, e por gerentes chamo os responsáveis pelo gerenciamento independente do título do cargo, está será também a virtude procurada em todos os colaboradores em todos os níveis inclusive nas empresas aéreas, poderemos esperar, então, real progresso e melhoria no índice de acidentes por hora de voo.

Infelizmente para a escolha dos dirigentes da ANAC, como é comum nos cargos públicos cujos ocupantes são escolhidos, o critério é político e a virtude procurada é principalmente a habilidade de promover a satisfação do chefe criando o mínimo de problemas. Isso não significa necessariamente ser capaz de dar soluções, mais simplesmente saber navegar pelos problemas solucionando-os ou não. Em função desse cenário alguns dirigentes estão até se eternizando nas posições sem que apresentem reais motivos para isto.

Para os usuários do transporte aéreo no Brasil a segurança está apenas atrelada à forma como os operadores obedecem aos padrões e seguem as boas práticas recomendadas pela OACI, este nível de segurança de fato garante certa tranquilidade, porém, lamentavelmente, não garante que outras catástrofes não irão ocorrer, na verdade os dados estatísticos demonstram que elas irão acontecer segundo o índice de segurança previsto.

Segundo Albert Einstein: "Deus não joga dados com o universo", entretanto não estamos jogando.


Fonte: Administradores

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