Após 671 dias de busca infrutífera pelo voo 447 da Air France, que desapareceu no meio da noite quando rumava do Rio de Janeiro a Paris, uma imagem em preto e branco surgiu em um monitor diante do pesquisador americano Mike Purcell em 3 de abril. A bordo do navio Alucia e no comando de uma tripulação de 34 pessoas, ele avistava pela primeira vez os destroços submersos do Airbus que mergulhara no Atlântico com 228 pessoas a bordo.
Purcell posa ao lado do submarino Remus
O engenheiro do Instituto Oceanográfico Woods Hole (sigla WHOI, com sede nos EUA) foi requisitado pelas autoridades francesas para comandar a terceira e a quarta fases de procura pela aeronave com auxílio de três modernos submarinos não tripulados capazes de vasculhar o fundo do mar por meio de sonares e câmeras digitais. Purcell, 52 anos de idade e duas décadas de trabalho como engenheiro-sênior na organização americana, é um dos especialistas que ajudaram a projetar os veículos automáticos chamados Remus, que detectaram a fuselagem estilhaçada no leito do oceano.
Graças a esse padrão de excelência, o WHOI – entidade privada sem fins lucrativos dedicada à exploração, pesquisa e educação – tem em seu currículo descobertas históricas como os restos do célebre Titanic, em 1985. A localização e o resgate do voo 447, porém, envolveram ao todo cinco etapas de trabalho e diferentes empresas e especialistas contratados pelas autoridades francesas.
Leia a entrevista, concedida por telefone dos Estados Unidos, de um dos principais responsáveis por começar a desvendar o mistério em torno do voo 447:
O senhor esteve a bordo do navio de buscas todo o tempo?
Mike Purcell – Eu fiquei a bordo do Alucia desde o final de março até 15 de abril, quando saímos da embarcação. Não estava no navio Ile de Sein, que fez o resgate das caixas-pretas e de outras partes do avião, participei apenas das buscas aos destroços. Também estive no mar no ano passado, durante a fase 3 (das buscas), quando fizemos duas tentativas.
No ano passado, se tentou estimar a localização da aeronave com base em projeções das correntes marinhas, o que não deu certo. É muito difícil de prever o comportamento das correntes naquela região?
Purcell – Sim, é verdade. Nós procuramos mais a noroeste, mas eu não estive diretamente envolvido nessas modelagens, então não sei bem como chegaram àquelas conclusões. Mas realmente é uma área muito complicada em termos de correntes marítimas. Estão sempre mudando de direção, e nós experimentamos isso quando estávamos lá em nosso barco.
Qual o exato momento em que o senhor descobriu que haviam encontrado os destroços do voo 447?
Purcell – Na verdade, houve dois momentos. O primeiro deles foi em 2 de abril, quando estávamos olhando imagens do sonar com uma resolução não muito grande. Mas a dimensão da imagem de retorno (do sonar), em uma área onde não esperávamos retorno nenhum, nos deu uma grande confiança de que se tratava dos destroços. Isso foi mais ou menos às 15h do dia 2. Então, lançamos um veículo (submarino) por volta das 23h30min daquela noite, que desceu e tirou 16 mil fotografias na área identificada pelo sonar.
Foram tiradas 16 mil fotografias em uma única descida?
Purcell – Sim. Foi uma missão de 14 horas. Nós não vimos os dados até o veículo voltar a bordo. Então o recuperamos por volta das 13h30min da tarde seguinte. Levou algum tempo até fazer o download das fotografias, e cerca de uma hora e meia depois começamos a ver as fotografias que confirmavam que lá estavam os destroços.
O senhor lembra qual foi a primeira foto que permitiu confirmar serem os restos do avião?
Purcell – Era a foto de pequenas partes (do avião). Eram pequenas partes porque começamos a tirar fotos pelo canto da área da queda, e nessa parte ficaram as partes menores. Uma das primeiras imagens, pelo que me lembro, foi um pedaço da fuselagem.
E como o senhor se sentiu ao realizar essa descoberta, depois de dois anos de buscas e quando muitos já achavam impossível encontrar o avião?
Purcell – Bem, muito bem. Nós todos ficamos muito felizes quando encontramos. Nós já estávamos envolvidos com isso havia uns 18 meses, desde o período de preparação para a fase 3, então realizando a fase 3, depois preparando a fase 4 e indo para lá. Então foi muito bom ter sucesso em encontrar o avião.
O senhor e sua tripulação sempre acreditaram que conseguiriam?
Purcell – Estávamos confiantes. Tínhamos muita confiança nos nossos veículos (submarinos), na capacidade de eles procurarem por algo assim. Tínhamos três deles, então conseguíamos vasculhar uma área grande. Foi apenas a segunda vez em que se usou três veículos desse tipo ao mesmo tempo.
Qual foi a parte mais difícil?
Purcell – Bem, nós achamos (os destroços) nove dias depois do início das buscas. Então, poderia dizer que o mais difícil foi chegar até lá, toda a parte logística, mas é muito difícil trabalhar no oceano. O mar não trata os equipamentos com carinho, então você tem sempre de dar o melhor de si. Mesmo que tenhamos confiança nos nossos veículos, você tem sempre de trabalhar com o seu melhor para ter sucesso.
Essa missão foi especial para o senhor de algum modo?
Purcell – Foi uma missão muito importante, por um par de razões. A primeira é desfazer o mistério sobre por que o avião se perdeu. Nós encontramos os destroços, eles recuperaram as caixas-pretas, vão lê-las e acredito que vão descobrir por que o avião caiu. Isso pode ser crítico para a segurança no futuro. A outra é trazer conforto para os familiares das vítimas, que poderão ter respostas sobre por que isso aconteceu.
O senhor teria alguma mensagem para os familiares das vítimas?
Purcell – Eu espero que a solução do mistério os ajude.
Fonte: Zero Hora - Foto:Tom Kleindinst / Woods Hole Oceanographic Institution
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